Por Monique Lemos
Duas histórias que não tem aparentemente nenhuma relação, mas que se cruzaram na minha vida. Duas tragédias que em uma semana me chocaram, entristeceram e por fim me fizeram escrever.
Um eu conhecia. Na Baixada Fluminense, um menino de sonhos e de garra, que ainda adolescente, descobriu-se socialista. Pai de família, logo teve que buscar o pão de cada dia para sustentar os seus. Seguiu o caminho de muitos jovens da periferia, a Polícia Militar. Passou num concurso, comemorou. Começou seu trabalho, morreu com um tiro na testa enquanto fazia uma ronda numa comunidade do Rio de Janeiro. Se chamava Leidson.
A outra eu não conheci. Ou talvez tenha conhecido, por que ela simboliza as tantas mulheres negras, que varrem o chão, que limpam as casas e que por serem mulheres, negras e pobres, são invisibilizadas pela sociedade. O nome é Cláudia, estava com 38 e tinha 4 filhos, criava ainda, mais quatro sobrinhos. Dela eu sei pouco, infelizmente, vi por imagens, seu corpo ser arrastado por uma viatura da polícia militar.
Como a “Cacau” e o Leidson se uniram na minha vida? Na culpa.
É meus amigos, podemos nós xingar os policiais – como Leidson, trabalhadores “educados” por um sistema bárbaro de violência e repressão – que arrastaram o corpo da Cláudia, como se eles fossem os culpados, ou como aquela repórter imbecil do SBT, culpar os “marginalzinhos” pela morte do Leidson achando que com isso, nós poderíamos dormir com nossa consciência tranquila de que os culpados serão punidos.
Mas eles não serão, porque a culpa está no sistema.
O que leva esses policiais a agirem como animais é a mesma lógica que vitimou o Leidson, é a Guerra genocida contra o tráfico de drogas. O tráfico e a violência estão intimamente relacionados, mas não como pensam muitos, pelo viés do consumo.
Mais pessoas morrem em decorrência do combate bélico ao tráfico do que em consequência da utilização das drogas, mais pessoas não, mais negros. Mais jovens, negros e pobres, assim como o Leidson, assim com a Cláudia.
Já está claro o erro que é combater um problema de saúde pública com uma política de segurança pública. Mas não é só mudar essa lógica, pois, existe a outra ponta do mesmo problema, e ela chama-se: Polícia Militar.
A ponta do iceberg para mim, está no que disse o antropólogo Luiz Eduardo Soares[1] é que: “Nunca houve tráfico no Rio senão com a polícia como parceira e, frequentemente, como protagonista. Então não há essa distinção polícia/tráfico: polícia é o tráfico, tráfico é a polícia.”
Ou seja, tráfico e polícia se retroalimentam. Mas essa é só a ponta. O problema da Polícia Militar é mais profundo e está na própria natureza dessa instituição, na sua forma de organização (militar) e claro nas suas práticas de violência já tão conhecidas da periferia.
Em suas origens, ela respondeu a necessidade de se caçar os escravos fugitivos. Ou seja, a polícia no Brasil, nasce para proteger a prática da dominação das classes senhoriais, na sua forma mais desumana, a escravidão.
Essa arquitetura classista é aperfeiçoada na Ditadura Militar. A polícia participa e dirige as maiores violações aos direitos humanos no Brasil. Assim uma instituição cuja função seria, teoricamente, evitar que os direitos dos cidadãos fossem violados, na prática os desrespeitam.
Somos todos culpados, por estes dois jovens, não estarem mais com suas famílias e isso é muito difícil de aceitar. Enquanto só estiverem matando o navio negreiro, talvez nós continuemos com nosso debate moral e hipócrita. Eu, não.
Defender o Fim da Polícia Militar e a Legalização das Drogas!
Pela Cláudia. Pelo Leidson.