sexta-feira, 26 de julho de 2013

A gente quer do bom e do melhor para todos

Estado deve respeitar os direitos não violá-los
A mídia comercial vem disseminando há algum tempo um clima de insegurança, amplificando as notícias sobre crimes violentos diariamente. Antes de a juventude tomar as ruas em junho para manifestar a vontade de mudar as coisas no país, a mídia, contra a voz que emergiu das ruas, escolheu bola da vez a questão da redução da maioridade penal, com vingança para punir os mais pobres.

Principalmente as TVs, com maior poder de penetração, invadiu os lares com violência desmedida e de forma propositadamente exagerada. “Quem acompanha diariamente as notícias na mídia sobre os atos de violência cometidos por adolescentes tem a sensação de que os brasileiros são os autores da maioria dos crimes graves no país”, afirma Celso Vicenzi e acentua que “a mídia tem sido muito eficiente em provocar uma quase histeria na opinião pública, para tentar legitimar mudanças nas leis do país”.

Depois das manifestações de junho e da visita do papa a Brasil, provavelmente a mídia retornará com a tese de se reduzir a idade penal para punir os menores de 18 anos pobres, moradores da periferia e negros. Contra a voz das ruas que mostra empenho da juventude em fazer o país avançar em suas conquistas democráticas e de mais liberdade. Educação, saúde e transporte coletivo de qualidade, reforma política, moradia digna, mobilidade urbana, enfim vida melhor para todos estiveram presentes nas questões levantadas nas passeatas da jornada de junho.

A mídia, como representante dos setores mais conservadores da sociedade, ignora tudo isso e defende o castigo como melhor forma de educação. Mas não para os filhos dos mais ricos. Como bem percebe o secretário municipal de Promoção da Igualdade Racial, Netinho de Paula espanta-se ao na ver “através da mídia o mesmo empenho no questionamento da qualidade das escolas”. Para Netinho isso acontece “porque os filhos daquelas pessoas que defendem a redução da idade penal estão em boas escolas e têm acesso aos bens culturais” e a tudo o que possa dar-lhes vida boa.

Dessa forma, os adolescentes, pessoas em processo peculiar de desenvolvimento, passariam a ser julgados pela justiça comum e cumpririam pena no sistema penitenciário como, e juntamente com, adultos, nos já superlotados presídios. Para isso, com as emissoras de TV à frente, a mídia comercial mostra o claro propósito de criminalizar a juventude para passar a prender os jovens acima de 16 anos, mas tem gente como o deputado Campos Machado (PT-SP) que deseja reduzir a maioridade penal para 14 anos, outros até para 12.

No Congresso Nacional existem 1.566 proposições legislativas sobre os direitos da infância e da juventude. Dentre elas, 41 tratam da redução da idade penal de 18 para 16 anos. “A maioria dos projetos em tramitação prevê a retirada de direitos dos adolescentes, em geral criminalizando essa parcela da população. Não estamos só saindo da agenda da negação do direito, mas retrocedendo a cair na lógica da criminalização, colocando crianças e adolescentes sob o olhar do Código Penal”, ressalta Maria Izabel da Silva, presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Acompanhar essas discussões torna-se fundamental, porque a pressão midiática é cada vez mais intensa. Mas “tratar o adolescente como criminoso contribuirá ainda mais com o inchaço populacional das cadeias brasileiras”, reage Denise Maria Cesario, gerente executiva da Fundação Abrinq. Para ela, “a medida poderá fortalecer o crime organizado, possibilitando que adolescentes entre 12 e 15 anos sejam aliciados para o cometimento de delitos” com maior facilidade do que acontece atualmente. Documento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vai para o mesmo caminho. “Criminalizar o adolescente com penalidades no âmbito carcerário seria maquiar a verdadeira causa do problema, desviando a atenção com respostas simplórias, inconsequentes e desastrosas para a sociedade”, relata o texto da CNBB.

Já Rildo Marques, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) defende a ideia de alicerçar-se no “conhecimento científico, estudando as causas da violência” para com isso propor “a restauração do sujeito com uma educação reflexiva que permita ao sujeito se refazer diante de seus próprios atos”. Ele explica que o sistema de punições não resolveu a questão do crime e ainda piorou a situação porque “a violência está diretamente ligada aos reflexos da organização social”, analisa.

Denise, da Abrinq, mostra dados do Conselho Nacional de Justiça pelos quais o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, determinado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é aplicado em “somente 5% das ações judiciais envolvendo adolescentes” enquanto “81% dos adolescentes autores de ato infracional não receberam acompanhamento após o cumprimento de medida socioeducativa”, garante.

Marques, do MNDH, defende que o ECA seja diretriz “para a questão do jovem infrator, e se seguida conforme seus preceitos dará conta de provocar no jovem reflexões quanto a sua atitude, para que ele se refaça no meio social” e ao mesmo tempo o Estado deve encontrar formas de garantir a segurança para todos. “Reduzir a maioridade penal é medida infrutífera para controle social da violência. Ao contrário, pode fazer cm que haja mais crianças envolvidas em práticas de delitos”, acredita. Ele reforça a dizer que em 1991 “a polícia paulista tinha em seus quadros 110 mil integrantes e havia 350 mil seguranças privados. Hoje temos 120 mil policiais e mais de 3 milhões de seguranças privados formais e informais”.

Netinho de Paula acentua que “menos de 1% dos homicídios praticados no país são praticados por menores”. Ele afirma que a juventude “quer e deve ter acesso para expressar suas necessidades”. Para o secretário paulistano da Promoção da Igualdade Racial, “a solução para os problemas do nosso país está em ouvir a sociedade, especialmente a juventude”. A voz das ruas está aí para confirmar o secretário, para quem “educação, cultura e informação real, são fatores fundamentais” no processo de construção do cidadão desde a mais tenra idade.

Para o Fórum de Entidades da Psicologia Brasileira “a repressão não é uma forma adequada de conduta para a constituição de sujeitos sadios”. Segundo os psicólogos, “reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude”.

Como todas as pesquisas mais recentes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e de diversos outros órgãos não governamentais, que mostram a juventude e a infância como as maiores vítimas da criminalidade, quase 70% das vítimas de armas de fogo estão na faixa etária entre 15 e 29 anos, e ainda as pesquisas demostram que a violência caminhou para as cidades do interior, onde o acesso a informação e às políticas públicas demoram mais a chegar, o que comprova a necessidade de mudanças imediatas na política de combate ao crime e principalmente no atendimento dos anseios da juventude com educação, saúde e mobilidade urbana de qualidade.

Por Marcos Aurélio Ruy
Fonte: UJS

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