sexta-feira, 26 de julho de 2013

Em Cuba, nenhum ser humano é abandonado à própria sorte*


José Maury, secretário de relações internacionais da UJC

A União da Juventude Socialista (UJS) entrevista o secretário de relações internacionais da União da Juventude Comunista (UJC) de Cuba, José Angel Maury, que veio ao país para participar do XIX Encontro do Foro de São Paulo.

O Foro foi criado em 1990, pelo ex-presidente Lula, em união com o então, presidente cubano Fidel Castro e reuniu líderes e organizações não-governamentais da América Latina e do Caribe. Para mais informações leia aqui.

O primeiro encontro do Foro aconteceu em São Paulo, além da presença de Fidel Castro e Lula, contou com a participação de mais 48 organizações, juventudes e partidos políticos. Hoje, em sua XIX edição, é o maior encontro da esquerda do mundo, conta com mais de 100 entidades participantes. No Brasil, entre os partidos políticos que o integram, estão o PCdoB, o PT e o PSB. A UJS é uma das entidades protagonistas do Foro.

Além do encontro realizado em São Paulo, aproveitamos também a passagem do 60º aniversário do assalto ao Quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, simultâneo á tentativa de tomar o Quartel Carlos Manuel de Céspedes, em Bayamo. Fidel e Raul Castro foram presos em Santiago de Cuba, juntamente com outros revolucionários, sendo absolvidos dois anos depois, sob forte pressão popular.

Ocorrido em 1953, a tentativa de tomar esses dois quartéis deram a largada para a Revolução Cubana. A partir daí criaram o Movimento 26 de Julho e lideraram o povo cubano às vitória em 1º de janeiro de 1959, quando Fugencio Batista fugiu do país e Fidel liderou seus companheiros a construir o primeiro país socialista no continente americano. A Revolução Cubana influenciou transformações na América Latina, África e Ásia.

Para Maury, a Atualização do Modelo Econômico em Cuba “é a continuidade histórica da revolução”, onde a juventude mostra disposição de levar a revolução adiante e avançar nas conquistas efetuadas nestes 54 anos de socialismo em Cuba. Leia abaixo a íntegra da primeira parte e amanhã encontre neste mesmo site a continuação dessa longa entrevista:

UJS – As mudanças que estão sendo implementadas em Cuba são bem vistas pela juventude?

José Angel Maury – A Atualização do Modelo Econômico é a continuidade histórica da revolução. Porque o trabalho do imperialismo norte-americano para derrotar a Revolução Cubana volta-se para as novas gerações. O imperialismo aposta no fim da geração histórica da revolução com a morte dos principais líderes do país e com isso surja uma nova geração sem os valores da revolução. Assim, o imperialismo acredita no fim do socialismo e acha que poderá voltar a dominar Cuba.

UJS – E podem?

JAM – A revolução continua viva em Cuba. Desenvolvemos um trabalho onde cada jovem combatente age com disciplina para cumprir suas tarefas de maneira eficiente em tudo o que tem que fazer para cumprir seus deveres frente à sociedade. Para mostrar a disposição da juventude em levar a revolução adiante, 99 mil jovens se incorporaram ao trabalho por contra própria. Uma boa novidade é que cerca de 40 mil receberam o direito de uso e fruto para trabalhar na terra. Com isso, ficam com uma parte da produção para si. Trabalhamos para que cada jovem se conscientize da importância de sua contribuição pessoal ao processo de Atualização do Modelo Econômico.

UJS – Como esse trabalho se desenvolve?

JAM – Os jovens cubanos se dedicam aos estudos com muito afinco, porque sabem da necessidade de aprimorar os conhecimentos para o embate com o inimigo. Também no trabalho sabemos da necessidade de cumprir as tarefas para cumprir bem nossa missão e elevar a economia do país.

UJS – Mas e o bloqueio promovido pelos Estados Unidos há mais de 50 anos, não impede que Cuba se desenvolva mais rapidamente?

JAM – O bloqueio imperialista é um obstáculo a toda a sociedade cubana. Desde que foi imposto em 1962, o bloqueio atrapalha o desenvolvimento econômico e social de Cuba. Afeta a educação dos jovens, a qualidade do ensino, a saúde. Embora os índices na educação e na saúde no país estejam entre os melhores do mundo, acreditamos que seriam muito melhores sem o bloqueio, porque ele atrapalha a vida de todos os cubanos.

UJS – Como isso ocorre?

JAM – O desenvolvimento cultural é muito afetado. Todo o processo de formação dos jovens é prejudicado. Mais de 70% da população cubana nasceu sob a vigência do bloqueio desumano imposto ao nosso país. O bloqueio é uma afronta muito grave à soberania nacional de Cuba e a juventude tem plena consciência da importância de denunciá-lo todos os dias.

UJS – O momento que vive a América Latina, onde em diversos países foram eleitos dirigentes de esquerda, isso ajuda Cuba a superar os efeitos desse bloqueio?

JAM – Consideramos que o momento que vive a América Latina é único na história. Nos anos 1960, os Estados Unidos dominavam a política regional amplamente, chegando a forçar a Organização dos Estados Americanos (OEA) a expulsar Cuba de seus quadros, em 1962. Vivíamos a Guerra Fria e os norte-americanos estavam assombrados com o fantasma do comunismo. No continente americano, o México foi o único país a reconhecer a Revolução Cubana.

UJS – O que significa a readmissão de Cuba à OEA em 2009?

JAM - Essa reincorporação de Cuba à OEA mostra como o cenário da América Latina é singular na história. Hoje a maioria dos países preza pro sua independência, pela sua soberania e não se curvam mais aos ditames do imperialismo. A OEA foi criada pelo imperialismo e atualmente está totalmente desacreditada, o que mostra o declínio do império norte-americano.

UJS – Nesse contexto o que representa a criação da Comunidade dos Estados Latino Americanos e Caribenhos (Celac) em 2010 para a América Latina?

JAM – A Celac inclui em seus quadros todos os países da América Latina. Desde o rio Bravo no México até a Patagônia na Argentina, como defendia o líder José Martí. Esse fato é muito importante, porque não se resume a Cuba, mas a toda a região e mostra o isolamento dos Estados Unidos no continente. É um momento apropriado para a unidade latino-americana.

UJS – Mas ainda há muita propaganda contra o socialismo de Cuba e contra a integração dos países da América Latina. Como isso se reflete em Cuba?

JAM – Qualquer análise que fazemos parte do princípio da revolução de que nenhum ser humano seja abandonado à própria sorte. A Constituição cubana assume esse papel do Estado com a proposta de José Martí. Ele disse: “Eu quero que o primeiro artigo da Constituição cubana seja o culto à dignidade plena do homem”. E além de estar escrito na carta magna do país, isso é algo que se aplica em todas as instâncias da vida.

UJS – A mídia tradicional vive dizendo que há escassez de muitos produtos em Cuba.

JAM – É verdade que existe alguma escassez, mas os produtos básicos para ma vida digna estão garantidos e são distribuídos de forma equitativa, como elementares para a sobrevivência de cada cidadão cubano. Temos o princípio de cada ser humano seja uma pessoa digna. E a Atualização do Modelo Econômico vai de encontro a esse princípio Martiniano expressado no primeiro artigo da nossa Constituição.

UJS – Alguém passa fome em Cuba?

JAM – Ninguém passa fome em Cuba. A atualização vem no sentido de melhorar, de avançar nas conquistas da revolução. Antes da revolução, Cuba não passava de um verdadeiro quintal dos Estados Unidos. Mas hoje, 54 anos depois da vitória revolucionária, os cubanos não se conformam somente com os bens básicos. E a atualização vem para melhorar a situação de existência no país.

UJS – Como isso se dá?

JAM – A Atualização do Modelo Econômico visa criar um socialismo próspero e sustentável para melhorar a condição de vida dos cubanos. E ainda ser capaz de se manter pelos próprios esforços, com utilização dos próprios recursos para sustentar seu desenvolvimento.

UJS – A relação de Cuba com o Brasil mudou sensivelmente a partir do governo Lula e se mantém com presidenta Dilma. Para os cubanos é importante ter bom relacionamento com o Brasil?
JAM – Sem dúvida. Hoje Cuba está construindo uma obra muito importante para os dois países. Para nosso país, o Brasil é o principal colaborador para impulsionar nosso desenvolvimento. Trata-se da Zona Especial de Desenvolvimento Mariel, que não tem a ver somente com a modernização do porto, mas a construção de um complexo industrial que trará bastante benefício a Cuba. O Brasil é nosso parceiro nesse projeto para criar espaço para Cuba voltar a ser a porta de entrada para a América Latina. Pode ser tão atraente pela redução de custos, que todos podem ignorar o bloqueio norte-americano.

O contrato do Mariel foi feito entre empresas e não entre governos. Em relação aos cubanos, entendemos essa construção como um bom exemplo de como aproveitar capital estrangeiro em nosso país.

UJS – Como a juventude cubana acompanhou os protestos promovidos pelos jovens brasileiros em junho?

JAM – Sim e encaramos de maneira muito positiva. Acreditamos que os jovens devem procurar participação nas decisões de todos os países. Mas também encaramos muito positivamente a reação do governo brasileiro frente às demandas sociais reivindicadas pelas mobilizações. Ao contrário de governantes dos países da Europa, e grande crise, o governo brasileiro chamou todas as forças sociais para conversar e encaminhar projetos que atendam as reivindicações.

UJS – O governo brasileiro criou o Programa Mais Médicos para contratar profissionais onde há falta deles. Esse programa abre a possibilidade de contratação de médicos estrangeiros e aventou-se a possibilidade de contratação de cubanos. Mas houve reação negativa das entidades no país. Essas entidades acusam que os cubanos vêm para fazer “propaganda do comunismo”. O que tem a dizer sobre isso?

JAM – Os médicos cubanos não vêm aqui pra fazer política, vem para trazer solidariedade, assistência à saúde. De qualquer forma, respeitamos a decisão soberana que o Brasil tomar. Cuba vem somente para colaborar com um projeto tão importante para melhorar a saúde do brasileiro.

Cuba tem reconhecidamente reputação de apresentar um dos melhores atendimentos em saúde do mundo. Recentemente houve manifestação em Portugal pela permanência de médicos cubanos que atuam nesse país europeu há tempos. A população se manifestou pela renovação do contrato. Isso mostra que trabalhamos bem.

*Leia a continuação da entrevista amanhã.

Por Marcos Aurélio Ruy, da redação e Mateus Fiorentini, secretário geral da Organização Continental Latino Americana e Caribenha dos Estudantes (Oclae)

Fonte: UJS

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