quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Rap versus rap (e os meios de comunicação no meio)


Jurei pra mim há alguns anos que não falaria mais sobre este assunto. Um, por ser óbvia a minha posição a respeito disso. Outro, porque cada um faz o que bem entender de sua vida e carreira.

Eu não vi rap na TV durante minha infância e adolescência. Vi em casa, meu pai sonhando em ser DJ, sem ter lugar pra tocar, coitado, amava o rap como eu e você, mas não tinha onde mostrar seu talento. O resultado? “Crisântemo“, seu Miguel foi pra um abismo de frustração, onde encontrou o alcoolismo como fiel parceiro e o fim já contei mil vezes, todos sabem.

Quantos igual ao meu pai sucumbiram sonhando em mostrar seu dom pro mundo através do hip-hop? Muitos, muitos mesmo. Só eu conheço mais de 20 histórias tristes de irmãos que abandonaram seu sonho, por não haver um circuito que exponha essa demanda. Dá pra escrever um livro sobre isso. Em “Então Toma” eu disse – “vou me levantar por todos que caiu” –, é isso o que faço. Levo minha verdade onde for respeitado, mostrando que existem outras versões do Brasil que precisam ser expostas urgentemente. Se não para vencer de vez o racismo, a desigualdade social e os preconceitos, pelo menos amenizar e criar pontes para que os ouvintes/espectadores façam isso.

Resolvi escrever porque me enviaram um email com um texto supostamente escrito pelo Edi Rock explicando por que foi ao Caldeirão do Huck. Fiquei triste, pois se o Edi Rock/Racionais precisa explicar que tá do nosso lado, então tem algo muito errado no hip-hop Brasileiro.

A TV é uma ferramenta de distribuição de informação, em sua maioria ruim, concordo, mas vamos perder a oportunidade de colocar verdade ali dentro, até quando? Por que o Datena e o Rezende já estão lá, aplaudindo uma polícia que mata pretos/pobres nas periferias do Brasil inteiro. Essa é a programação ideal? Pois, se for, já conquistamos e podemos comemorar nossa vitória. Eu acho que não conquistamos nada, NADA MESMO. Digo com propriedade pois sou dono da única empresa que é fruto genuíno do hip-hop brasileiro e acho que o Brasil tem que invadir a mídia de verdade.

Temos 500 anos de mentiras ali e muito me orgulha ver isso ser destruído aos poucos pela maravilhosa força construtiva do hip-hop do Brasil.

Sabe o que o hip-hop no Brasil está virando? O hip-hop no brasil está virando um cara com um punhado de sementes nas mãos, que invés de plantar, cuidar e ver crescer uma nova floresta, deixa que estas sementes morram longe de onde podiam germinar, pois está muito ocupado caçando quem está cortando árvores por aí e, não encontrando um cortador de árvores que lhe dê atenção, ele vira pra outro semelhante com outro punhado de sementes e começa a brigar porque ninguém planta mais.

Agora eu te faço a seguinte pergunta (voz do Rezende): qual foi a a última vez que você viu um show grande foda com os maiores nomes do rap? Qual foi a última vez que viu um evento grande de hip-hop? Eu te respondo: faz tempo que não tem. Digo com propriedade porque eu organizei alguns, talvez a maioria dos que ocorreram sem nenhum incentivo público ou privado. Tirei do bolso pra fazer e não é fácil trabalhar duramente sendo apedrejado por quem não constrói nada. É foda.

Ninguém é obrigado a assistir a TV, ninguém é obrigado a concordar com ninguém, mas todo mundo é obrigado a se respeitar. Mas cadê o respeito pela diferença de opiniões quando alguém pensa diferente de você? Você quer que as pessoas sejam livres ou que elas sejam livres pra concordarem com você?


maxresdefault-1Aí me vem o argumento de que o Racionais disse que não iria na TV. Sim, disse, em 1988, no século passado, eu me lembro. Mas aconteceram algumas coisas entre 1988 e 2013 que podem ter feito algumas pessoas no mundo mudarem de ideia, certo? E todos mudam de ideia, com exceção dos idiotas. Esses abraçam orgulhosamente um pensamento atrasado e afundam com ele junto à âncora de seu egoísmo.

Malcolm X mudou de ideia. Em uma viagem, ele entendeu ao ver brancos que não eram racistas que o problema não era a cor, era o pensamento racista. Foi aí que ele se ligou que uma coisa é vingança e outra coisa é justiça. Sabe um cara que nunca mudou de ideia? Adolf Hitler.

Hip-hop, seja feliz e conte sua verdade, propague a beleza do nosso povo, nosso foco deve ser nos fortalecer cada vez mais, física e mentalmente para podermos construir o Brasil que queremos. Nosso pior inimigo é o nosso próprio descuido e o hip-hop anda descuidado. A cultura aqui é uma criança e ninguém notou o abandono. Lembre da beleza e da superação, de se aprender a dar um moinho de vento, fazer um graffiti, um scratch ou uma rima e use esta beleza como força pra subir lá no ringue e vencer. Porque ser preto e morrer esquecido na miséria é fácil, é isso que o

sistema quer. Eu particularmente quero mais é ver vocês milionários.

A rua é nóiz (gloriosamente).

Por: Emicida, na Carta Capital

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